Entre o Conservador e o Crítico: Por que Ainda Valorizamos a Universidade?



"Quando o conhecimento está morto, eles o chamam de academia." Essa frase, atribuída a Thomas Bernhard e citada no livro Um Apartamento em Urano, de Paul Preciado, nos desafia a repensar o papel das universidades no mundo contemporâneo. Em um cenário em que se comenta incessantemente a dificuldade das instituições acadêmicas em se atualizar e inovar, essa declaração revela uma verdade desconfortável: o ambiente universitário, por mais que exiba uma fachada vibrante de inovação, muitas vezes se assemelha a um sarcófago , brilhante por fora, mas repleto de um conhecimento estagnado em seu interior.

A sociedade moderna frequentemente exalta a universidade como um espaço de constante transformação e criatividade. No entanto, há uma contradição inerente: enquanto as universidades produzem pesquisas e teorias que moldam o pensamento público, elas mesmas demonstram uma resistência surpreendente às mudanças. O sociólogo Pedro Demo, por exemplo, já comparou a universidade a um sarcófago , um lugar que, embora reluzente externamente, esconde uma realidade inerte no seu âmago.

Pesquisas recentes, como o estudo coordenado pelo sociólogo Russell Funk e publicado na revista Nature em 2023, apontam para um fenômeno inquietante: a ciência, atualmente, parece ser menos revolucionária e disruptiva do que no passado. Essa constatação ecoa o sentimento de que as universidades, longe de serem celeiros de renovação, estariam presas a estruturas conservadoras, incapazes de romper com tradições ultrapassadas.

Apesar das críticas, a ironia é que todo esse discurso , a crítica à estagnação, à falta de inovação e à resistência ao novo – vem, em grande parte, de pessoas que, paradoxalmente, são formadas e vivem na universidade. Essa contradição revela algo fundamental: a universidade, com todas as suas limitações, ainda é um espaço privilegiado de autocrítica. Em um mundo neoliberal capitalista, onde a autocrítica parece rara até mesmo nas relações familiares e nas grandes corporações, a academia se destaca por oferecer um ambiente onde questionar o status quo é não só permitido, como estimulado.

Ao promover debates, incentivar pesquisas e desenvolver metodologias críticas, as universidades permitem que seus membros olhem para si mesmos com rigor e honestidade. Essa capacidade de se autoavaliar, de reconhecer suas falhas e buscar, incessantemente, o aprimoramento , é uma das razões mais belas e necessárias para que continuemos investindo nessa instituição.

Em um contexto onde grandes empresas raramente admitem publicamente os danos de seus produtos, pense em uma gigante dos refrigerantes que dificilmente reconheceria os efeitos nocivos de seu consumo – a universidade se destaca como um espaço onde a ética e a responsabilidade são, ao menos, discutidas. A autocrítica acadêmica é um pilar que pode orientar políticas públicas, influenciar a sociedade e, de maneira indireta, inspirar transformações em outros setores.

A pergunta que ecoa é: se a universidade é, por natureza, um ambiente conservador, mas também um espaço de profunda reflexão crítica, por que ainda insistimos em fazer parte dela? A resposta pode ser encontrada justamente nessa dualidade. Apesar das críticas e do conservadorismo que permeiam suas estruturas, a academia é o único lugar onde se cultiva a autocrítica de forma sistemática. É nela que se aprende a questionar, a desconstruir narrativas e a construir novos paradigmas , habilidades essenciais para enfrentar um mundo em constante mudança.

Ao abordar a afirmação de Bernhard e as interpretações de Preciado, somos levados a refletir sobre a natureza contraditória da universidade. Embora frequentemente criticada por sua rigidez, ela permanece indispensável por sua capacidade de promover a autocrítica e o debate. Em um ambiente onde a inovação verdadeira é rara, o valor da academia está justamente em desafiar a si mesma e em oferecer um espaço para o pensamento reflexivo e transformador.

Portanto, se por um lado a universidade parece um bastião do conservadorismo, por outro, ela é o único lugar onde a autocrítica pode florescer. Essa é a beleza ,e o paradoxo , de se manter na universidade: não apesar de suas falhas, mas justamente por elas, pois é nesse ambiente que aprendemos a questionar, a repensar e, finalmente, a transformar o conhecimento, mantendo viva a chama da inovação.

Trago fatos, Marília Ms.

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