Do Country Club à Quebrada: Como a Lacoste Descobriu Quem Realmente Define o Luxo




Durante anos, o conceito de luxo esteve atrelado a uma elite distante, inalcançável para quem vive à margem da sociedade. Luxo era sinônimo de exclusividade, de separação entre classes, de um círculo fechado ao qual poucos tinham acesso. Mas e quando essa margem começa a consumir, a definir tendências e a influenciar a própria indústria? Foi exatamente isso que aconteceu com a Lacoste no Brasil.

A marca francesa, tradicionalmente associada ao tênis e ao vestuário da alta classe esportiva, encontrou seu lugar na periferia não por um planejamento estratégico, mas pelo simples fato de que as favelas adotaram o crocodilo como símbolo de status. No Brasil, o funk e o hip hop – gêneros nascidos da resistência e da voz dos excluídos – tornaram a Lacoste um fenômeno nas quebradas, transformando suas peças em um código de pertencimento e poder. O crocodilo virou identidade.

No entanto, a relação entre a marca e seu novo público sempre foi ambígua. Durante muito tempo, a Lacoste preferiu ignorar a apropriação periférica, insistindo em um branding elitista. Ao invés de reconhecer essa nova audiência como parte fundamental da sua consolidação no Brasil, tentou manter seu discurso voltado à classe média alta e ao público europeu tradicional. Era como se o Brasil real não existisse para a marca, mesmo sendo um dos seus maiores mercados.

O problema é que a realidade se impôs. Em 2023, ao criar um perfil específico para o Brasil, a Lacoste tomou uma decisão curiosa: não convidou nenhum representante do funk ou do rap para sua inauguração, renegando justamente o público que sustentava sua popularidade. Não havia MCs, não havia trappers, não havia vozes da favela. Era um lançamento que, ironicamente, ignorava quem realmente carregava a marca nas ruas. A mensagem era clara: a periferia vestia Lacoste, mas não era bem-vinda ao evento oficial.

A resposta veio rápido. Artistas começaram a questionar o posicionamento da marca, e um boicote se desenhava. O rapper Orochi foi um dos primeiros a expor o descaso da empresa com o público que a havia alçado ao sucesso. O movimento ganhou força, e a Lacoste percebeu que havia cometido um erro grave. Para contornar a crise, se viu obrigada a se alinhar com aqueles que realmente carregavam seu nome nas ruas. MD Chef, rapper carioca e referência na ostentação periférica, foi chamado para uma campanha  que, ironicamente, se tornou a de maior sucesso do perfil brasileiro.

Foi nesse momento que a Lacoste entendeu uma verdade inegável: o luxo não é mais definido pelos salões da elite branca, mas pelas vielas e becos da periferia. O mercado brasileiro, que representa 60% do faturamento da marca na América Latina, mostrou que quem impulsiona o consumo não são os conservadores revoltados com essa nova estética, mas os jovens de quebrada que fazem da moda um manifesto.

A indústria da moda sempre flertou com o conceito de apropriação cultural, e a história da Lacoste no Brasil é um exemplo disso. No começo, a marca tentou manter seu distanciamento, como se vestir Lacoste fosse um privilégio de poucos. Mas a periferia não pediu permissão: tomou posse do crocodilo e o transformou em um símbolo de poder e resistência. Quando a marca percebeu que a periferia não era apenas uma audiência ocasional, mas a espinha dorsal do seu consumo no Brasil, teve que se reinventar.

No fim, a Lacoste tentou resistir. Tentou manter sua postura de grife intocável. Mas a realidade bateu à porta: quem consome, define. E, no Brasil, o luxo já tem um novo dono.

Trago fatos , Marília Ms

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