Das Redes Neutras ao Poder Algorítmico: A Nova Hegemonia Digital

 


Estamos vivendo um momento de transformação radical nas redes sociais , uma mudança de paradigma que expõe, de forma inquietante, a convergência entre tecnologia e política. O que antes se anunciava como a era da comunicação livre e neutra, hoje se revela permeada por interesses ideológicos e alianças estratégicas que colocam em xeque a própria essência da democracia digital.

As recentes movimentações envolvendo figuras como Zuckerberg, Elon Musk e as decisões controversas de plataformas como o TikTok não podem ser encaradas como meras coincidências ou respostas isoladas a pressões momentâneas. Trata-se, na verdade, de uma reconfiguração do poder nas redes, onde as grandes empresas de tecnologia abandonam a retórica da neutralidade para se alinharem a projetos políticos que favorecem um espectro ideológico cada vez mais restrito , um verdadeiro ecossistema de extrema-direita. Quando o TikTok, em questão de horas, passa de um aplicativo banido para um instrumento de agradecimento público a um presidente controverso, somos confrontados com a inegável realidade: o digital deixou de ser um espaço de livre expressão para se tornar um campo de batalha político.

Essa mudança não se restringe a gestos isolados ou a medidas pontuais de personalidades. É perceptível, sobretudo, na maneira como os algoritmos passam a moldar nossa percepção do mundo. O que vemos no feed deixa de ser uma seleção democrática de conteúdos para se tornar uma curadoria ideológica, onde o que “agrada” e o que “convém” aos interesses das plataformas se impõe. Essa lógica, que já havia se insinuado de maneira sutil, assume agora contornos alarmantes. Quando os algoritmos deixam de ser meros instrumentos de recomendação e passam a operar como verdadeiros formadores de subjetividade, nossa capacidade de discernir e criticar se torna vulnerável a uma manipulação que beira a radicalização.

A ascensão do “conteúdo político” algorítmico não é apenas uma questão de mercado ou de estratégia digital; ela reflete uma transformação profunda na forma como a sociedade se articula e constrói seu senso de realidade. Durante décadas, as redes sociais sustentaram a ideia de que seriam espaços plurais e abertos, sustentando valores liberais e democráticos. Hoje, esse manto de neutralidade é desfiado por ações que favorecem interesses específicos, especialmente daqueles que se apresentam como protagonistas de uma nova ordem política , uma ordem que se utiliza do poder de plataformas digitais para legitimar e disseminar ideologias que, muitas vezes, já demonstraram sua capacidade de dividir e polarizar.

O perigo dessa convergência é duplo. Por um lado, a aliança entre as grandes techs e forças políticas autoritárias tende a concentrar o poder informacional, criando uma espécie de oligarquia digital que, ao mesmo tempo em que reforça narrativas unilaterais, afasta os mecanismos de regulação e crítica institucional. Por outro, essa nova configuração favorece a formação de bolhas ideológicas, onde a exposição a pontos de vista alternativos é sistematicamente cerceada. Assim, a experiência digital  desde o entretenimento até a formação de opinião política  passa a ser mediada por filtros que, longe de ampliar horizontes, estreitam o debate e a compreensão crítica dos fatos.

A metáfora do “Brasil Paralelo” aplicada às redes sociais ilustra bem esse fenômeno: se, de um lado, as plataformas foram, por muito tempo, palco para a diversidade de vozes e opiniões, por outro, elas estão se transformando em instrumentos para a produção de um consenso alinhado a interesses políticos específicos. Essa mudança de direção não ocorre de forma espontânea; ela é o resultado de uma negociação de poder, em que a proteção legal e a impunidade são oferecidas em troca de apoio e visibilidade. Essa transação entre interesses corporativos e projetos de poder  desconfigura a ideia de que a democracia digital se sustenta em bases universais de liberdade e pluralidade.

Diante desse cenário, é urgente repensarmos o papel das redes sociais na construção do espaço público e da própria subjetividade individual. A confiança cega nos algoritmos, que selecionam o que consumimos com base em nossos gostos e comportamentos, pode nos levar a um estado de complacência ideológica, onde o crítico e o divergente se perdem em meio a um fluxo contínuo de informações polarizadas. A responsabilidade de buscar, questionar e dialogar torna-se, assim, não apenas um exercício de cidadania, mas uma necessidade imperativa para a preservação de uma esfera pública verdadeiramente democrática.

Em última análise, a transformação que presenciamos é um chamado à vigilância e à reflexão. Se as redes sociais se tornam, de forma irrevogável, instrumentos de um projeto político que privilegia uma visão estreita da realidade, corremos o risco de ver a democracia reduzir-se a uma mera performance  uma encenação constante, onde a pluralidade e a crítica se diluem diante da hegemonia ideológica. O futuro do debate público, e por extensão, o futuro da própria sociedade, dependerá da nossa capacidade de reconhecer e resistir a essas tendências, resgatando a essência de um espaço digital que verdadeiramente promova o diálogo, a diversidade e a liberdade de pensamento.

Portanto, é fundamental que estejamos atentos não apenas aos discursos políticos, mas também às engrenagens invisíveis que operam por trás dos cliques e das curtidas. O que está em jogo não é apenas a neutralidade das plataformas, mas o próprio alicerce sobre o qual se ergue a construção da nossa realidade coletiva. Em tempos de transformações radicais, a crítica constante e o engajamento ativo se fazem mais necessários do que nunca para que possamos, juntos, construir um futuro onde a tecnologia sirva à democracia e não a seus interesses restritos e excludentes.

Trago fatos, Marília Ms

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