Baile da Vogue: Entre o Glamour Perdido e a Publicidade Exacerbada



O baile da Vogue, outrora um símbolo de elegância e puro espetáculo fashion, parece ter se metamorfoseado em um ritual marcado pela superficialidade e pela busca incessante por status. No último evento realizado no Copacabana Palace, comemorando meio século da icônica revista no Brasil, o tema “Voguelandia” prometia resgatar a fantasia e a arte da moda. No entanto, a realidade mostrou uma noite onde o brilho do passado se confundiu com o brilho falso dos holofotes patrocinados.

A curadoria, que deveria exaltara criatividade e a história dos ícones nacionais, cedeu lugar a uma seleção que privilegiava a estética internacional e o retorno imediato de likes nas redes sociais. Convidados com pouca conexão real com o universo da moda foram inseridos numa narrativa de consumo e exibição, onde a exclusividade perdeu lugar para a lógica do patrocínio. O baile, que já servia de palco para homenagens a figuras revolucionárias.

Essa transformação é sintomática de uma indústria que se rendeu ao imediatismo. As microtendências, que há alguns anos ainda eram vistas como inovações, hoje saturam o mercado e confundem o verdadeiro valor da criatividade. Em meio a looks que oscilam entre o minimalismo quase clínico e o escapismo extravagante, a pergunta que paira é: será que o glamour foi realmente perdido ou apenas disfarçado sob o manto da publicidade desenfreada? A resposta pode estar no fato de que, ao privilegiar a imagem em detrimento do conteúdo, o baile da Vogue  e, por extensão, a moda nacional , arrisca se tornar um espetáculo vazio, onde o brilho dos holofotes é substituído por flashes desprovidos de essência.

O baile da Vogue, realizado no lendário Copacabana Palace para comemorar meio século da revista no Brasil, sempre foi sinônimo de glamour, inovação e, ao mesmo tempo, de um certo distanciamento da realidade da moda nacional. Nesta edição, com o tema “Voguelandia , o fantástico mundo da moda”, a proposta parecia, em teoria, uma celebração da moda em sua forma mais pura e fantástica. Porém, ao adentrarmos os bastidores e analisarmos a atmosfera, percebe-se uma contradição intrínseca: por um lado, há a intenção de homenagear ícones e momentos históricos; por outro, a superficialidade que se tornou inerente ao evento.

Por um lado, o baile propunha um universo onde a moda se funde com a fantasia, um espaço para resgatar referências que marcaram gerações. Personalidades como Vitória Fiora, Bella Campos, Anne Gabrielle e outras trouxeram releituras e homenagens que, de fato, demonstravam estudo, dedicação e um profundo respeito pelo legado da moda. Esses momentos se transformaram em uma celebração autêntica da criatividade e do potencial transformador da moda.

Contudo, esse brilho se contrasta com uma crescente banalização do evento. A cada nova edição, o baile parece se distanciar do rigor histórico e cultural que o consagrou. O que antes era um encontro de mentes e ícones da moda agora se dilui em uma peça publicitária, onde o status de “estar lá” pesa mais que o conteúdo e a reflexão estética. A predominância de convidados indicados por grandes marcas patrocinadoras, muitas vezes sem uma conexão orgânica com o universo fashion, ilustra bem essa tendência: o evento se transformou em um desfile de subcelebridades e influenciadores, cuja participação parece mais motivada por exposição e likes do que por uma verdadeira dedicação à arte do vestir.

Um dos pontos mais álgidos dessa análise é a ausência de protagonismo da moda brasileira. A escolha por homenagear figuras estrangeiras e por vestir designers de fora do país, em detrimento de personalidades que poderiam representar a diversidade e a riqueza cultural do Brasil, reforça um sentimento de desalinhamento com a identidade nacional. Essa escolha, no fundo, reflete uma necessidade do setor em se validar no mercado global, mesmo que isso signifique sacrificar parte de sua autenticidade e enraizamento cultural.

A crítica aqui vai além de uma simples insatisfação estética ou editorial. Trata-se de um alerta quanto à direção que o setor pode tomar quando o valor do evento é medido pelo alcance midiático e pela ostentação, e não pela qualidade intrínseca das produções e pela celebração genuína da história e da diversidade da moda. Em um cenário onde as redes sociais amplificam instantaneamente qualquer imagem ou comentário, a essência da moda , que sempre esteve ligada à expressão individual, à inovação e à subversão das convenções, corre o risco de ser engolida pelo consumo desenfreado e pela lógica do marketing.

Outra faceta interessante e digna de análise é a polaridade que se estabelece nas tendências para o ano. Enquanto o “minimalismo terapêutico” propõe uma resposta à saturação das microtrends , favorecendo looks mais calmos, despojados e confortáveis , o escapismo surge como uma válvula de resistência: uma forma de se expressar através de produções excêntricas e autênticas que fogem à mesmice e à uniformidade dos padrões impostos pela mídia e pela indústria.

Essa dualidade revela uma tensão: por um lado, a busca por uma identidade individual e menos contaminada pela pressão social; por outro, o desejo de se destacar em um ambiente que celebra o extraordinário e o inusitado. Nesse sentido, o baile da Vogue, com todos os seus excessos e contradições, se torna um microcosmo dessa batalha interna. A presença de looks ousados, que se inspiram em referências históricas e que resgatam a memória de figuras marcantes, convive com escolhas questionáveis , como o empréstimo de figurinos ou a estética aparentemente forçada e comercial.

Em última análise, o que o baile da Vogue 2025 revela é um momento de transição e, possivelmente, de crise de identidade. Se por um lado é inegável que eventos dessa magnitude ajudam a projetar a moda e a criar narrativas, por outro, a mercantilização excessiva e a presença maciça de conteúdos patrocinados corroem a credibilidade e a profundidade do encontro.

O futuro da moda, ao que tudo indica, se define justamente nesse ponto de inflexão: entre o conforto de um minimalismo terapêutico, que busca aliviar a saturação das redes e dos consumos rápidos, e o impulso do escapismo, que defende a singularidade e a resistência através de escolhas estéticas radicalmente pessoais. Resta saber se os organizadores de eventos tão emblemáticos conseguirão resgatar a essência que, outrora, os tornava centros de referência e debate, ou se continuarão trilhando o caminho da superficialidade e do espetáculo vazio.

Cada olhar, cada tendência e cada escolha de vestuário passa a contar uma história , seja de celebração, de crítica ou de uma luta interna para se manter relevante num mundo que, cada vez mais, parece preferir a imagem instantânea ao significado duradouro. 

Adriane Galisteu, figura icônica e polêmica da mídia brasileira, voltou a gerar debates intensos com seu look no Baile da Vogue 2025. Em uma aposta ousada, a apresentadora escolheu uma fantasia inspirada no jogo “Sweet Bonanza”, da Betano , um dos principais nomes das apostas on-line , incorporando elementos como cores vibrantes e pirulitos, símbolo que remete ao doce e ao lúdico, mas que acaba reforçando uma estética de glamour superficial associada ao universo das bets.

A escolha de Galisteu, que em suas redes sociais declarou ter chegado ao evento “pronta para adoçar a noite”, foi recebida com reações ambíguas. De um lado, há o elogio à criatividade e ao carisma da apresentadora; de outro, críticas severas que apontam para uma promoção velada de um estilo de vida vinculado ao consumo desenfreado e aos riscos do jogo on-line. A fantasia , que além de remeter ao universo das apostas, foi reproduzida em vídeos nos quais Galisteu desfila pelas ruas e até nas praias , sugere, de forma quase caricata, um “glamour falso” que contrasta com a realidade de grande parte da população, especialmente dos mais vulneráveis financeiramente. Essa exposição em ambientes públicos, onde a mensagem de ostentação e sedução do consumo se sobrepõe a uma realidade marcada pela desigualdade, acaba por acentuar o distanciamento entre o que é mostrado e o que muitos vivem no dia a dia. 

O uso da referência ao jogo “Sweet Bonanza” não pode ser encarado apenas como uma escolha estética ou uma simples homenagem à diversão carnavalesca. Por trás do look, há uma forte conexão com a publicidade das casas de apostas, que vêm se proliferando em meio à ascensão das redes sociais e ao consumo desenfreado de conteúdos glamourosos. Essa publicidade extrema, muitas vezes desprovida de uma reflexão crítica sobre os riscos associados ao jogo , que inclui problemas de vício e prejuízos financeiros, tem gerado um debate ético sobre o papel das celebridades na promoção de produtos que podem afetar negativamente a vida dos mais vulneráveis. Ao associar seu visual a essa marca, Galisteu acaba, intencionalmente ou não, endossando uma mensagem que celebra um estilo de vida alimentado por uma lógica de consumo imediato e ilusório, uma “doçura” que, na prática, pode mascarar as armadilhas do jogo. 

Em complemento à fantasia exibida no baile, um vídeo nas redes sociais mostra a apresentadora desfilando pelas ruas e até em praias , cenários que, para muitos, simbolizam a realidade das classes populares. Essa ação, vista por alguns como uma tentativa de levar o “glamour” a um público que, na verdade, não tem acesso aos mesmos privilégios, é carregada de contradições. Enquanto o look, inspirado na estética das apostas, tenta exalar um brilho e uma ostentação que remetem a um mundo de excessos, a sua veiculação em ambientes públicos pode ser interpretada como uma forma de “impor” uma estética que ignora as disparidades sociais. O que se apresenta, assim, é um glamour artificial, um convite para a fantasia que, longe de empoderar, pode reforçar estigmas e distorcer a percepção de valor e sucesso em uma sociedade marcada por profundas desigualdades.

A postura de Galisteu, ao adotar e divulgar um look tão fortemente vinculado ao universo das apostas, coloca em xeque o papel das celebridades como influenciadoras de comportamento. Em um momento em que a publicidade e o marketing digital se aliam para criar imagens de sucesso e glamour quase inalcançáveis, a escolha por uma fantasia que celebra um produto potencialmente nocivo se torna ainda mais problemática. Para aqueles que vivem a realidade de forma mais dura, o que se apresenta é um espetáculo de ostentação e superficialidade, um “glamour falso” que mascara a dura verdade de um sistema que privilegia o consumo e a ilusão de status.

O look de Adriane Galisteu no Baile da Vogue 2025 é, sem dúvida, um dos momentos mais emblemáticos , e controversos , do evento. Ao unir o universo da moda com a publicidade extrema das apostas, a apresentadora não só desafia os padrões estéticos e os limites da criatividade, como também provoca um debate necessário sobre os impactos sociais de uma mensagem que celebra o consumo desenfreado. Em última análise, o que se vê é a tensão entre a busca por visibilidade e a responsabilidade social, uma dualidade que reflete as complexas relações entre moda, mídia e desigualdade no Brasil contemporâneo.

Trago fatos , Marília Ms.

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