Abomine o Uso do Laço por Mulheres Adultas: Infantilização e a Crise da Autonomia de Gênero
A adoção de laços por mulheres adultas, quando imbuída de significados que remetem à estética infantil, merece uma análise crítica profunda. O laço – objeto tradicionalmente associado à inocência e à infância , tem sido, nos dias atuais, utilizado como um recurso visual que, longe de empoderar, acaba por infantilizar o corpo feminino. Este ensaio propõe uma reflexão sobre as implicações culturais, históricas e políticas dessa prática, destacando a necessidade de uma descolonização dos corpos e uma desconstrução dos padrões de gênero que persistem na sociedade contemporânea.
Historicamente, o laço sempre carregou uma dualidade simbólica. Por um lado, em contextos infantis, ele representa delicadeza, ludicidade e um ideal de pureza inocente. Por outro, quando apropriado por mulheres adultas, o laço pode assumir uma conotação ambígua: ao mesmo tempo em que busca transmitir uma imagem de suavidade e feminilidade, ele corre o risco de reduzir a complexidade do ser feminino a uma caricatura infantil. Essa dicotomia revela as raízes coloniais e patriarcais que moldaram a forma como o gênero feminino é percebido e representado.
Ao transformar um acessório inocente em um símbolo de feminilidade adulta, inadvertidamente cria-se um discurso que promove a ideia de que a mulher deve se apresentar de forma submissa e dependente, reiterando modelos que historicamente a desumanizaram e a relegaram a um papel secundário na sociedade. O laço, nesse contexto, deixa de ser um simples adorno e se torna uma ferramenta de normatização que contribui para a perpetuação de estereótipos excludentes.
O uso de laços por mulheres adultas vai muito além de uma questão estética: ele dialoga diretamente com o olhar do outro e com a necessidade de validação externa. Quando se adota um laço que remete a formas e cores excessivamente delicadas – aquelas que, sem dúvida, evocam a imagem de uma criança – a mulher se coloca numa posição de vulnerabilidade e de submissão ao olhar masculino. Essa prática não é mera coincidência; trata-se de uma escolha que, consciente ou inconscientemente, reforça a ideia de que a feminilidade ideal é aquela que pode ser facilmente confundida com a infantilidade.
A questão se agrava quando observamos que tal estética é frequentemente promovida em discursos que afirmam ser um rompimento com o passado – como se a mulher pudesse escolher se vestir para agradar o olhar masculino ou feminino. No entanto, a realidade demonstra que, independentemente da direção desse olhar, a presença do laço mantém viva uma tradição de objetificação e desvalorização da autonomia feminina. Ao perpetuar um visual que ecoa a inocência infantil, as mulheres adultas abrem mão da complexidade e da maturidade que deveriam caracterizar sua identidade.
A cultura contemporânea tem presenciado uma tendência inquietante: a ideia de que o empoderamento feminino pode ser alcançado por meio da adoção de traços tradicionalmente associados à infância. Essa inversão de valores é particularmente visível quando se observa a chamada “descolonização de corpos” e a “desbinalização de gênero”. O laço, nesse cenário, torna-se um símbolo de uma feminilidade desprovida de sua própria história e de suas lutas, ao mesmo tempo em que reproduz um modelo de comportamento que submete a mulher a padrões inatingíveis de delicadeza e fragilidade.
Ao adotar essa estética, muitas mulheres acabam por se render a um discurso que, de forma sutil, nega a elas a possibilidade de expressar sua autenticidade. O laço infantiliza a imagem adulta, sugerindo que a verdadeira feminilidade reside na capacidade de ser doce e passiva, em vez de forte e autônoma. Assim, o que poderia ser um símbolo de identidade e resistência transforma-se em uma armadura que protege a mulher de sua própria complexidade, confinando-a a um espaço onde o olhar do outro – especialmente o masculino – é o único que define seu valor.
A adoção de laços com conotações infantis também tem implicações políticas profundas. Em um cenário onde a política de gênero é constantemente negociada entre diferentes visões ideológicas, a promoção de uma estética infantilizada se mostra particularmente perigosa. É notório que, recentemente, figuras públicas e candidatas de espectro conservador têm recorrido a essa estratégia visual para conquistar a simpatia e a confiança de eleitores, muitas vezes recorrendo a discursos que exaltam a “feminilidade tradicional” como garantia de uma postura submissa e apaziguada.
Candidatas que afirmam não serem feministas e se apresentam como protetoras de valores tradicionais acabam por reforçar a ideia de que a única forma de ser aceita socialmente é por meio de comportamentos que desconsideram a maturidade e a autonomia feminina. Nesse sentido, o laço torna-se um instrumento retórico e visual que reforça a dicotomia entre o feminino “forte” e o feminino “frágil”, sem que haja espaço para a complexidade e a diversidade das experiências femininas. Essa estratégia não só banaliza o uso de um objeto simbólico, mas também subverte as conquistas históricas do movimento feminista, que lutou arduamente pela visibilidade e pelo respeito à mulher adulta.
O uso de laços por mulheres adultas, quando carregado de significados que remetem à infantilidade, deve ser abominado – não pelo simples fato de utilizar um acessório, mas porque ele representa uma escolha que perpetua a desvalorização da mulher em sua plena maturidade. É imperativo que repensemos os símbolos que adotamos e a forma como esses símbolos moldam nossa identidade. A verdadeira emancipação passa pelo reconhecimento da complexidade do ser feminino, que não pode ser reduzido a uma imagem lúdica ou infantil.
Ao abominar essa prática, propomos não apenas uma crítica estética, mas uma revisão profunda dos discursos de gênero que, historicamente, têm limitado a liberdade e a autonomia das mulheres. É necessário que a sociedade se liberte das amarras do olhar tradicional e abrace uma feminilidade que seja, acima de tudo, autêntica e complexa – uma feminilidade que não precise recorrer a artifícios infantis para se afirmar. E, para tanto, a descolonização dos corpos e a desbinalização dos gêneros são tarefas urgentes e indispensáveis na construção de um futuro verdadeiramente igualitário.
Trago Fatos , Marília Ms.
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