A Mentira Conveniente: A Repetição de Padrões e a Construção de uma Verdade Aparente
“Uma mentira contada várias vezes não se torna uma verdade, só se torna conveniente e convincente.” Essa frase, que já circula em diversos debates sobre cultura e comunicação, se encaixa perfeitamente na discussão em torno do recente comentário de Maia Massafera. Em um vídeo, Maia afirmou que “não está magra para os ricos” e justificou que são os pobres que preferem corpos mais cheios. Para embasar sua fala, ela remeteu a uma narrativa histórica de que, em algum momento, a magreza foi símbolo de status e beleza, tendo inclusive estudado na “melhor faculdade de moda do mundo”. No entanto, essa justificativa se desmancha quando analisamos o percurso da valorização dos corpos ao longo da história.
1. A História da Valorização Corporal: Um Passeio pela Diversidade Estética
A construção do que é considerado belo não é imutável, mas sim profundamente enraizada em contextos sociais, culturais e econômicos que mudam com o tempo. Pensemos na famosa Vênus paleolítica, com mais de 25 mil anos de idade, que celebrava a fertilidade e a abundância. Em muitas culturas antigas, corpos mais volumosos simbolizavam prosperidade, saúde e fecundidade , atributos essenciais para a sobrevivência e o bem-estar de uma comunidade.
No Antigo Egito, embora a arte retratasse figuras femininas esguias e elegantes, o ideal de beleza também variava conforme o simbolismo religioso e a estética de uma sociedade que via no corpo uma extensão da harmonia divina. Já na Grécia Antiga, o ideal passou a ser a representação do corpo forte e atlético, um reflexo da valorização da forma física e da excelência esportiva. No Renascimento, artistas como Rubens reimaginaram a feminilidade com curvas generosas e voluptuosas, desafiando a rigidez dos padrões anteriores e celebrando a opulência do corpo humano.
Essa diversidade histórica demonstra que os padrões de beleza são construções sociais, moldados, alterados e muitas vezes instrumentalizados para favorecer determinadas classes ou interesses. Quando se defende que “ricos gostam de magreza”, estamos, na verdade, perpetuando uma narrativa que, longe de refletir uma verdade universal, é fruto de uma construção ideológica recente, reforçada pelo poder da publicidade e da indústria cultural.
2. A Mentira que se Torna Conveniente: A Normalização do Padrão Único
O comentário de Maia Massafera é um exemplo claro de como uma ideia pode ser repetida e, com o tempo, se transformar em uma “verdade” conveniente. Ao afirmar que o padrão de beleza dos ricos é a magreza, ela alinha seu discurso a uma narrativa amplamente difundida , sobretudo nas redes sociais e na publicidade –, onde o corpo magro é constantemente associado a sucesso, status e até mesmo saúde.
Essa narrativa não surge do nada. Ela é cuidadosamente promovida por uma indústria que se beneficia do consumo contínuo de produtos e serviços associados à aparência física. Desde a moda até a estética, passando pelo entretenimento, a ideia de que existe um “corpo ideal” é disseminada de forma massiva, enquanto alternativas , corpos mais cheios, por exemplo , são marginalizadas e estigmatizadas. Essa construção binária, onde um corpo magro simboliza sucesso e o outro, o fracasso, tem profundas implicações, pois reforça padrões que contribuem para a insegurança e a insatisfação com a própria imagem.
A repetição incessante dessa narrativa gera um ciclo vicioso: quanto mais se reforça a ideia de que “magreza é sinônimo de beleza e poder”, mais ela se consolida como um padrão incontestável, mesmo que seja apenas uma conveniência ideológica, conveniente para certos interesses econômicos e sociais. Assim, o discurso de Maia não é apenas uma opinião isolada; ele reflete um sistema que, por décadas, construiu a ideia de um corpo magro como o ideal absoluto.
3. O Papel da Indústria e da Publicidade na Construção dos Padrões
A indústria da moda e a publicidade têm um papel central na imposição e na perpetuação de padrões de beleza. É a mesma máquina que, com estratégias sofisticadas de marketing, cria e reforça ideais que muitas vezes se distanciam da diversidade natural dos corpos humanos. Por meio de campanhas publicitárias, desfiles e mídias sociais, a imagem do corpo magro é exaltada e apresentada como sinônimo de sucesso, saúde e atratividade.
Essa imposição é insidiosa, pois não apenas dita o que é “normal” ou “desejável”, mas também alimenta uma cultura de comparação e inadequação. Enquanto a indústria lucra com a venda de produtos que prometem ajudar as pessoas a alcançarem esse ideal de dietas, academias, cosméticos e procedimentos estéticos – ela simultaneamente fomenta uma insegurança que leva muitos a se sentirem eternamente aquém desse padrão. A falácia de que “ser magro é melhor” se torna, então, uma mentira conveniente, aceita porque traz benefícios tangíveis para um mercado que se alimenta da insatisfação e da busca incessante pela perfeição.
4. A Hipocrisia Social e a Repetição de Erros
Não há como fugir da hipocrisia que permeia a sociedade contemporânea. Enquanto muitos criticam corpos cheios e defendem a magreza como padrão de sucesso, ao mesmo tempo, a própria sociedade , através de seus meios de comunicação, instituições e práticas cotidianas , reforça essa mesma lógica. A crítica se torna, assim, um eco de um sistema que, mesmo se apresentando sob diferentes nuances, permanece inalterado em sua essência.
A lição que se extrai é clara: a repetição de uma mentira, por mais que ela seja propagada, não a torna verdadeira. Ela apenas a torna mais conveniente e, por conseguinte, mais convincente para aqueles que, direta ou indiretamente, se beneficiam dela. Quando a narrativa de que “os ricos preferem corpos magros” é reproduzida em vídeos, entrevistas e postagens nas redes sociais, ela acaba por cristalizar uma visão limitada e excludente da beleza. Essa visão, por sua vez, tem consequências reais na forma como as pessoas se veem e se relacionam com seus próprios corpos.
5. Repensando os Padrões: A Necessidade de uma Nova Perspectiva
É imprescindível questionar e desconstruir esses padrões impostos. O ideal de beleza não pode ser reduzido a um único molde, pois a diversidade dos corpos humanos é justamente o que enriquece a experiência e a cultura de cada sociedade. Ao olharmos para a história, vemos que a valorização do corpo variou imensamente: de uma fertilidade celebrada na Vênus paleolítica à robustez atlética da Grécia Antiga, passando pela exuberância das curvas rubenianas do Renascimento.
Portanto, o verdadeiro desafio não está em preferir um tipo de corpo a outro, mas em reconhecer que a imposição de um único padrão , o da magreza como sinônimo de sucesso , é uma construção social que limita nossa compreensão de beleza, saúde e identidade. Somente ao valorizar a pluralidade e ao incentivar uma abordagem crítica sobre os discursos dominantes, poderemos criar um ambiente onde cada indivíduo possa se sentir legítimo em sua singularidade.
6. Conclusão: A Urgência de Romper com a Conveniência da Mentira
A frase “uma mentira contada várias vezes não se torna uma verdade, só se torna conveniente e convincente” é um alerta para os perigos da repetição de discursos que, embora convenientes para determinados interesses, não refletem a complexidade da realidade. O comentário de Maia Massafera é um exemplo emblemático de como uma narrativa simplista , que reduz a diversidade de padrões a uma dicotomia entre magreza e plenitude, pode reforçar uma cultura de exclusão e insatisfação.
Enquanto continuarmos a aceitar, sem questionar, as verdades convenientes propagadas pela indústria e pela publicidade, perpetuaremos erros que comprometem nossa visão de mundo e a autoestima coletiva. É preciso, portanto, fomentar um debate mais amplo e inclusivo sobre o que realmente significa beleza, celebrando a diversidade dos corpos e promovendo uma cultura que valorize a autenticidade acima de ideais pré-fabricados.
Romper com essa mentira conveniente é, antes de tudo, um exercício de resgate da verdade , uma verdade que se baseia na história, na diversidade e na riqueza das experiências humanas. Ao reconhecer que os padrões de beleza são mutáveis e que a verdade não pode ser construída a partir de conveniências, damos um passo importante rumo a uma sociedade mais justa, inclusiva e, sobretudo, humana.
Trago fatos , Marília Ms.
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