Sergipe e o Confisco Ilegal: A Luta dos Aposentados e Pensionistas pela Dignidade



 É inadmissível que, em pleno século XXI, um governo estadual se apoie em medidas inconstitucionais para justificar o saque de direitos conquistados com suor e dedicação. A recente revelação de que o Governo de Sergipe acumulou uma dívida de mais de R$244 milhões  decorrente do desconto ilegal de 14% sobre os proventos de aposentados e pensionistas durante dois anos e dois meses  não só demonstra um descaso com os servidores que contribuíram por décadas, mas também evidencia uma política de confisco que fere frontalmente os princípios da dignidade humana e da justiça social.

A medida, aprovada em meio a uma PEC que alterava a previdência sem os devidos estudos de impacto e, pior ainda, sem o respeito às garantias constitucionais, revela um cenário de desrespeito sistemático. Antes do confisco, aposentados e pensionistas eram submetidos à contribuição apenas sobre valores que ultrapassavam o teto da Previdência; com a taxação indiscriminada, mesmo aqueles que recebiam entre um salário-mínimo e o teto passaram a ter seus vencimentos reduzidos significativamente perdas mensais que variavam de R$300 a R$900. Essa política, claramente arbitrária, penalizou de forma cruel os trabalhadores mais vulneráveis, que já enfrentam dificuldades para manter o padrão de vida necessário para uma aposentadoria digna.

Durante os últimos anos, o episódio que maculou a gestão pública de Sergipe e feriu de maneira profunda os direitos de aposentados e pensionistas vem ganhando os holofotes do debate jurídico e social. Entre abril de 2020 e junho de 2022, o Governo de Sergipe realizou descontos de 14% sobre os proventos desses servidores, totalizando, em termos financeiros, mais de R$244 milhões sem contar os juros e correções que vêm se acumulando. Esse desconto, que se impôs de forma abrupta e inconstitucional, impactou drasticamente a vida de milhares de pessoas que dependem desses recursos para garantir uma existência digna.

A origem desse controverso desconto remonta à aprovação, em dezembro de 2019, do Projeto de Emenda Constitucional 07/2019 (PEC 07/2019), promovido pelo então governador Belivaldo Chagas (PSD) e aprovado na véspera de Natal. Em meio a um clima de urgência e sem a apresentação de estudos aprofundados sobre o impacto previdenciário, a maioria dos deputados estaduais  dos 22 presentes, apenas dois se posicionaram contrários  endossou uma mudança que, inicialmente, pretendia equilibrar as contas públicas. Contudo, o que se impôs foi um mecanismo de arrecadação que afetou diretamente os aposentados e pensionistas.

Antes dessa mudança, a contribuição previdenciária incidia somente sobre os valores que excediam o teto da Previdência, fixado na época em R$6.433,57. Dessa forma, muitos beneficiários que recebiam de um salário-mínimo até esse limite não eram submetidos a qualquer desconto em seus proventos. Com a aprovação da PEC, essa lógica foi totalmente alterada, e o desconto de 14% passou a ser aplicado de forma generalizada, confiscando parte vital dos rendimentos de quem havia contribuído durante décadas para o sistema.

Do ponto de vista jurídico, a medida logo passou a ser contestada por diversos sindicatos e movimentos sociais, que viram no desconto um flagrante desrespeito aos direitos fundamentais dos trabalhadores. As ações judiciais questionaram a constitucionalidade da cobrança, argumentando que a medida não apenas desrespeitava o direito adquirido dos servidores, como também configurava uma expropriação ilegal de recursos essenciais para a manutenção de uma vida digna.

O Supremo Tribunal Federal (STF) tornou-se o palco do debate, onde, por unanimidade (com exceção do voto ainda pendente do ministro Gilmar Mendes), os ministros reconheceram a inconstitucionalidade da medida. Esse posicionamento reforça o entendimento de que o desconto de 14% foi um ato abusivo, incompatível com os preceitos constitucionais e os direitos dos aposentados e pensionistas. Enquanto o Governo de Sergipe aguarda a decisão final do STF para definir seus próximos passos, a expectativa dos beneficiários é a imediata restituição dos valores indevidamente subtraídos, com todos os acréscimos legais.

Mais do que uma questão de balanço fiscal, o confisco dos 14% representa uma grave injustiça social. Muitos aposentados e pensionistas viram seus rendimentos mensais serem reduzidos entre R$300 e R$900, um golpe duro para aqueles que dependem exclusivamente dessas quantias para arcar com despesas básicas como alimentação, moradia, saúde e educação dos netos. Em diversas declarações, beneficiários relataram dificuldades extremas para pagar contas e sustentar suas famílias, chegando inclusive a recorrer a créditos consignados e outras formas de endividamento.

Relatos de professores aposentados, que dedicaram 30 ou 35 anos à educação, ilustram o drama vivido por esses trabalhadores. "Não aguento mais passar tanta necessidade, está tudo caro, o que recebo não dá para pagar minhas contas porque o confisco leva 14% do meu dinheiro", desabafou uma professora, resumindo a angústia de muitos que viram seu poder de compra ser drásticamente reduzido por uma medida que, longe de equilibrar as contas do Estado, minou a dignidade daqueles que contribuíram ao longo da vida.

A resposta da sociedade não tardou a se manifestar. Sindicatos e associações de trabalhadores, entre eles o Sintese , Sindicato dos Trabalhadores em Educação Básica do Estado de Sergipe organizaram mobilizações intensas. Vigílias, protestos e ações judiciais foram realizadas com o objetivo de reverter a cobrança e reparar os danos causados. Esses movimentos foram essenciais para chamar a atenção da opinião pública e dos tribunais para o caráter abusivo da medida, mesmo que a mobilização popular não tenha conseguido, de imediato, impedir o desconto.

A pressão social e a atuação dos sindicatos evidenciaram que a luta não era apenas por uma questão financeira, mas por respeito, dignidade e justiça. Cada ação judicial, cada manifestação e cada depoimento contribuíram para que o STF se posicionasse de forma firme contra a medida, demonstrando que a sociedade não tolerará o confisco dos direitos de quem construiu, com muito esforço, sua aposentadoria.

Um dos argumentos apresentados pelo Governo de Sergipe para a implementação da cobrança foi a necessidade de garantir o equilíbrio financeiro do Estado. Contudo, a análise crítica desse posicionamento revela que a medida, ao incidir indiscriminadamente sobre os proventos dos aposentados e pensionistas, acaba por punir justamente aqueles que já estão em situação de vulnerabilidade. A lógica do equilíbrio fiscal não pode, em hipótese alguma, se sobrepor ao respeito aos direitos fundamentais e à proteção social.

O episódio de Sergipe ilustra, de forma contundente, a tensão entre a busca por austeridade fiscal e a garantia de condições mínimas de dignidade para os trabalhadores. A tentativa de “ajustar” as contas públicas por meio do desconto de 14% não levou em conta os reais impactos sociais dessa medida, transformando uma política de suposto equilíbrio financeiro em um instrumento de expropriação. Esse cenário levanta uma reflexão profunda sobre os caminhos que os governos devem seguir para conciliar a necessidade de responsabilidade fiscal com a obrigação de proteger os direitos dos cidadãos.

Com o reconhecimento da inconstitucionalidade da medida pelo STF, a expectativa agora se volta para a efetiva reparação dos danos causados. A devolução dos valores, acrescidos de juros e correções, é imperativa para restituir não apenas o montante financeiro, mas também a confiança dos cidadãos nas instituições democráticas. Para muitos, essa restituição simboliza um reconhecimento tardio da injustiça cometida, mas que, embora não apague os prejuízos sofridos ao longo de dois anos e dois meses, é fundamental para a reconstrução da credibilidade do sistema previdenciário estadual.

O caso também evidencia a necessidade de aprimorar os processos legislativos e de garantir maior transparência na tomada de decisões que afetam diretamente a vida dos cidadãos. A aprovação apressada da PEC 07/2019, sem os estudos de impacto necessários, revela fragilidades que podem ser evitadas por meio de uma participação mais ativa e informada da sociedade. É essencial que futuras reformas previdenciárias ou medidas de ajuste fiscal sejam acompanhadas por debates amplos, estudos técnicos e, sobretudo, pelo respeito aos direitos fundamentais.

O episódio vivido em Sergipe representa um capítulo doloroso na história recente do estado, marcado por uma decisão que penalizou injustamente aqueles que mais contribuíram para a sociedade. O confisco ilegal de 14% sobre aposentadorias e pensões não apenas comprometeu a estabilidade financeira de milhares de famílias, como também lançou luz sobre a necessidade de um maior equilíbrio entre as exigências fiscais e os direitos sociais.

A atuação dos sindicatos, a mobilização popular e o posicionamento firme do STF demonstram que, mesmo diante de medidas arbitrárias, a justiça pode prevalecer – embora de forma tardia. No entanto, a reparação dos danos vai além da simples restituição dos valores descontados. Trata-se de restabelecer a dignidade dos aposentados e pensionistas e de reafirmar que políticas públicas devem estar, acima de tudo, a serviço do bem-estar e da proteção dos direitos de todos os cidadãos.

Em suma, o caso de Sergipe serve como um alerta sobre os riscos de se adotar medidas unilaterais em nome do equilíbrio fiscal, sem considerar as consequências sociais e humanas. A lição que se extrai desse episódio é clara: a justiça social e o respeito aos direitos fundamentais não podem ser sacrificados em nome da austeridade. É imprescindível que o Estado assuma sua responsabilidade, não apenas devolvendo os recursos indevidamente subtraídos, mas também promovendo reformas que garantam maior transparência, participação popular e respeito à dignidade humana em todas as esferas da gestão pública.

O episódio se agrava quando se considera o contexto político que o antecedeu: a aprovação da PEC 07/2019 na véspera de Natal, em um ambiente de pressa e sem a transparência que a situação exigia. O apoio irrestrito da maioria dos deputados estaduais, mesmo diante das evidências de inconstitucionalidade e sem a apresentação de estudos técnicos, evidencia não apenas a fragilidade do processo legislativo, mas também a conivência com uma política que privilegia medidas impopulares e injustas. O confisco de 14% tornou-se, assim, não apenas uma estratégia para supostamente equilibrar as contas públicas, mas um ato de desrespeito aos direitos de cidadãos que contribuíram por toda a vida para o sistema de previdência.

A situação ganhou contornos dramáticos para os aposentados e pensionistas, muitos dos quais dependiam integralmente desses recursos para sobreviver. Histórias de professores que viram suas remunerações reduzirem-se a ponto de não conseguir arcar com despesas básicas como contas de luz, água, e alimentação ilustram o impacto devastador dessa medida. O apelo dos sindicatos e a mobilização dos trabalhadores foram intensos, mas mesmo assim o confisco persistiu por mais de dois anos, causando uma dor coletiva que se reflete em cada família prejudicada.

A reviravolta, com o reconhecimento quase unânime da inconstitucionalidade da medida pelo Supremo Tribunal Federal, não é suficiente para apagar o estigma de uma gestão que, ao implementar essa política, expôs um profundo descompasso entre os interesses financeiros do Estado e o bem-estar de sua população. Enquanto o governo aguarda a decisão final do STF para definir os próximos passos, a sensação de impunidade permanece, deixando claro que, para muitos, a justiça ainda tarda a ser feita.

Além da questão financeira, o episódio revela um problema mais amplo: a desvalorização dos direitos sociais e previdenciários. A lógica do “equilíbrio fiscal”, frequentemente utilizada como justificativa para medidas drásticas, não pode se sobrepor à proteção dos direitos fundamentais dos trabalhadores. A contribuição previdenciária, quando aplicada de forma seletiva e abusiva, transforma-se num instrumento de expropriação, minando a própria ideia de justiça social que deveria nortear as políticas públicas.

É imperativo que as instituições atuem com rigor na reparação dos danos causados. A devolução dos valores  acrescidos de juros e correções é não apenas uma obrigação legal, mas um passo necessário para restaurar a confiança dos cidadãos nas instituições democráticas. Contudo, o reparo financeiro não compensa os prejuízos emocionais e sociais sofridos por aqueles que viram suas vidas desestruturadas por uma decisão arbitrária e insensível.

O episódio vivido em Sergipe serve de alerta para toda a sociedade: a vigilância sobre as ações governamentais deve ser constante, e a mobilização popular é crucial para combater abusos de poder. A história nos mostra que, quando o Estado se desvia de seu papel de protetor dos direitos individuais e coletivos, são os mais vulneráveis que pagam o preço da irresponsabilidade política.

Em última análise, o confisco dos 14% sobre aposentadorias e pensões em Sergipe é um capítulo vergonhoso na gestão pública estadual. Ele expõe a necessidade urgente de repensarmos as prioridades governamentais e de reafirmarmos, com convicção, que nenhum cidadão , especialmente aqueles que dedicaram suas vidas ao serviço público deve ser penalizado por medidas que, além de ilegais, demonstram um total descompasso com os princípios de justiça, dignidade e respeito à cidadania.

Trago fatos , Marília Ms

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