O Desafio de Valer 1000 em um Sistema Educacional Falido



 O Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) de 2024 marcou uma nova página na história do exame, mas não exatamente de maneira positiva. Apenas 12 redações alcançaram a pontuação máxima de 1000, o menor número de "nota mil" já registrado. Em um país marcado pela desigualdade social e racial, a escolha do tema "Desafios para a valorização da herança africana no Brasil" não poderia ser mais pertinente, mas também revelou muito sobre as falhas estruturais do sistema educacional e as barreiras que os estudantes enfrentam.

A temática proposta para a redação do Enem 2024 traz à tona questões sensíveis e de extrema importância, especialmente no contexto atual, onde ainda há um grande tabu em torno da herança africana no Brasil. Este é um tema que, apesar de sua relevância, tem sido pouco discutido nas salas de aula, especialmente em ambientes educacionais elitizados, que frequentemente afastam os estudantes dessa reflexão histórica e social profunda. O fato de o número de redações nota mil ter sido reduzido em relação aos anos anteriores é um reflexo claro das dificuldades enfrentadas pelos estudantes, que já lidam com um sistema educacional falido, como é o caso do novo ensino médio. Um modelo de ensino que, ao invés de proporcionar uma formação sólida e crítica, está focado em conteúdos abstratos e muitas vezes inúteis, sem a devida conexão com a realidade dos alunos.

O aumento de apenas 0,5% na média geral das notas, somado à queda nas pontuações de algumas áreas, como ciências humanas e matemática, evidencia uma tendência alarmante de estagnação e até retrocesso no aprendizado dos estudantes. Como exigir que eles entreguem redações impecáveis, com análises profundas e soluções originais para questões complexas, se o sistema educacional em que estão inseridos não lhes oferece as ferramentas necessárias para isso?

A questão da redação é particularmente emblemática, pois ela exige mais do que uma simples análise superficial do tema. Hoje, as redações nota mil demandam uma reflexão profunda sobre a frase-temática, exigindo do aluno um posicionamento claro e autoral, com uma abordagem original que proponha soluções viáveis para os problemas abordados. Esse tipo de demanda técnica não é algo que pode ser resolvido apenas com a repetição de fórmulas ou a memorização de regras gramaticais. Exige uma verdadeira capacidade de análise crítica e um domínio da própria voz, algo que muitos alunos não têm oportunidade de desenvolver ao longo do ensino médio.

Além disso, é crucial destacar que a questão da valorização da herança africana no Brasil não é apenas uma discussão sobre história, mas sobre a própria identidade nacional. O Brasil é um país profundamente marcado pela mestiçagem e pela contribuição dos povos africanos em todas as esferas culturais, sociais e econômicas. No entanto, o sistema educacional tem sido falho em proporcionar aos alunos uma visão honesta e abrangente dessa herança, deixando muitos de nós com uma visão distorcida e incompleta da realidade.

Ao observar os estados com o maior número de redações nota mil, como Minas Gerais e Rio de Janeiro, também percebemos uma disparidade significativa entre as regiões. As notas mais altas se concentram em estados com uma tradição educacional mais consolidada, o que reforça a ideia de que o acesso à educação de qualidade no Brasil ainda é um privilégio de poucos. Enquanto alguns estudantes têm a oportunidade de desenvolver habilidades críticas e criativas, outros se veem limitados por um ensino que mal consegue prepará-los para as exigências de uma prova como o Enem.

Portanto, o que as 12 redações nota mil de 2024 realmente refletem é um sistema educacional que exige cada vez mais de seus alunos sem oferecer as condições mínimas para que eles possam alcançar esse desempenho. A redução no número de redações perfeitas não é apenas um reflexo da dificuldade do tema proposto, mas também uma metáfora para o abandono de muitos estudantes, vítimas de um ensino médio falido e de uma formação que não prepara para as complexidades do mundo atual. Em vez de apenas exigir, é preciso investir em uma educação que realmente forme cidadãos críticos, reflexivos e capazes de enfrentar os desafios impostos pela sociedade. Caso contrário, continuaremos a observar uma elite educacional cada vez mais restrita, enquanto a grande maioria fica à margem da verdadeira aprendizagem.

Trago fatos , Marília Ms

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