Crianças Coach: O Perigo de Roubar a Infância em Nome da Ganância
Vivemos em uma época peculiar, marcada por uma aceleração quase cruel da infância. É o fenômeno das "crianças coach", os mirins motivacionais que, com discursos ensaiados e frases de efeito, se apresentam como mini-gurus da superação e do sucesso. Por trás desse espetáculo está algo muito mais preocupante: a exploração da ingenuidade e do potencial infantil em nome de uma ganância que rouba o que há de mais sagrado: a infância.
O que torna esse cenário ainda mais alarmante é que essas crianças não chegaram lá sozinhas. Elas são produtos do meio, moldadas e manipuladas por adultos muitas vezes os próprios pais que veem uma oportunidade de lucro na exposição dos filhos. São crianças que deveriam estar brincando, errando e aprendendo com o mundo ao seu redor, mas que, em vez disso, estão ocupadas desempenhando o papel de "pequenos sábios", oferecendo conselhos que nem sequer têm maturidade para compreender.
Esse fenômeno é mais que um problema social; ele é também um reflexo psicológico preocupante. O famoso Efeito Dunning-Kruger, que descreve como pessoas inexperientes tendem a superestimar suas habilidades, é um paralelo perfeito para os perigos da prática de coaching sem formação adequada. No caso das crianças coach, a situação se agrava porque, além de não terem experiência ou conhecimento, elas sequer possuem maturidade cerebral suficiente para discernir a complexidade do que estão fazendo.
E quem é responsável por isso? Os adultos. Pais que, na ânsia de alimentar suas próprias vaidades ou engordar suas contas bancárias, transformam os filhos em ferramentas de propaganda, esvaziando suas infâncias e enchendo seus discursos de frases decoradas e artificiais. É uma troca cruel: a inocência da criança por likes, views e contratos milionários.
O coaching, como prática, já carrega sua dose de polêmica, especialmente quando executado por indivíduos sem a devida qualificação. Mas, no caso das crianças coach, a questão extrapola a simples discussão de ética profissional. Trata-se de uma exploração explícita que desumaniza as crianças ao tratá-las como mercadorias. Mesmo que essas crianças possuam inteligência e habilidade naturais, isso não justifica obrigá-las a viver como adultos em miniatura. A infância é um período único, necessário para o desenvolvimento saudável de um ser humano. Pular etapas ou pior, roubá-las abre portas para problemas psicológicos e sociais muito mais profundos.
O mais triste é que esse fenômeno não é um acidente; ele é deliberado. Essas crianças vêm, em sua maioria, de famílias privilegiadas, membros de uma elite social movida pela ganância. Não bastasse o acesso que já têm a recursos e oportunidades, eles ainda encontram uma maneira de transformar os próprios filhos em produtos. E, em meio a tudo isso, o discurso motivacional que essas crianças reproduzem soa ainda mais vazio, uma vez que as dificuldades e batalhas que dizem superar são completamente desconectadas da realidade da maioria das pessoas.
Vivemos um tempo em que tudo parece acelerar. Crianças que não agem como crianças, adolescentes que parecem pular etapas e se tornam adultos antes da hora. Essa rapidez, esse atropelo de fases, deixa uma sensação incômoda de perda. Perdemos a essência da infância, a beleza do aprendizado pelo erro, a simplicidade do brincar.
A frase "todo castigo para coach é pouco" assume aqui um significado ainda mais forte. Não é apenas sobre a superficialidade e a antiética de muitos no mercado de coaching, mas sobre o dano incalculável que a prática pode causar. No caso das crianças coach, não estamos falando apenas de um serviço ruim. Estamos falando de uma infância roubada, de vidas que poderiam ter sido mais leves, mais felizes, mais livres.
Se há algo que precisamos questionar neste cenário, é o papel que nós, enquanto sociedade, desempenhamos ao aplaudir, consumir e dar palco para essa exploração. Precisamos resgatar a noção de que a infância é insubstituível. Que nenhum lucro ou fama vale mais do que os anos que nunca mais voltarão. Que crianças devem ser crianças, e que o preço de forçá-las a crescer antes da hora é, no fim das contas, um prejuízo para todos nós.
Trago fatos , Marília Ms
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