A Cor que Falta no Sertanejo: Representatividade e o Caminho para a Inclusão
O sertanejo, ao longo das décadas, consolidou-se como um dos gêneros mais populares do Brasil, traduzindo as vivências do interior em canções que ressoam com o coração do povo. Contudo, ao observarmos o cenário atual, uma questão incômoda emerge: onde estão os artistas negros no sertanejo? Apesar de ser um reflexo da vida rural e das lutas cotidianas, o gênero ainda é, predominantemente, marcado pela presença de artistas brancos, levantando questões sobre representatividade e inclusão.
Historicamente, a imagem do sertanejo foi construída ao redor de homens e mulheres brancos, trajando chapéus e botas, cantando sobre amores, sofrimentos e as agruras do campo. Porém, essa visão é limitadora, já que o sertanejo é, ou deveria ser, um retrato da diversidade cultural brasileira. Negros e negras, espalhados por todo o país, também têm o sertanejo como trilha sonora de suas vidas, emocionando-se com suas letras e fazendo parte da cultura rural. No entanto, o racismo estrutural presente na sociedade brasileira reflete-se no sertanejo, criando barreiras invisíveis para que artistas negros sejam reconhecidos e valorizados.
Essa ausência de representatividade impacta não só os jovens negros que se sentem deslocados, mas também o próprio gênero musical, que perde a oportunidade de se renovar e abraçar narrativas mais plurais. A predominância de artistas brancos passa a mensagem sutil de que o sertanejo “não é para eles”. Enquanto isso, gêneros como o rap e o funk, que acolheram vozes negras, acabam parecendo mais “adequados” para esses jovens. Essa desconexão, além de afetar a autoestima dos fãs negros, limita a profundidade do sertanejo, que poderia explorar temas ricos e autênticos provenientes da experiência negra.
O cenário atual é também resultado de uma indústria musical estruturada sobre estereótipos. Desde o boom do sertanejo moderno nos anos 90, o gênero foi, aos poucos, se distanciando de suas raízes rurais e abraçando influências pop, mas sem diversificar a representação de seus artistas. Essa falta de inclusão é um reflexo de padrões sociais amplos, onde certos espaços são, de maneira tácita, reservados para grupos específicos. No caso do sertanejo, essa exclusividade torna o ambiente pouco receptivo para artistas negros.
Mas qual seria o impacto de abrir mais espaço para esses artistas? A resposta é tanto um desafio quanto uma oportunidade. A inclusão de vozes negras traria novas histórias e camadas ao sertanejo, enriquecendo-o com narrativas sobre a vida dos trabalhadores rurais negros, das famílias que enfrentaram dificuldades para se estabelecer no interior e das lutas e vitórias cotidianas. Além de ampliar a diversidade sonora e temática, essa mudança traria autenticidade ao gênero, refletindo a pluralidade que realmente compõe o Brasil.
Entretanto, para que isso aconteça, tanto o público quanto a indústria musical precisam estar dispostos a desafiar os padrões estabelecidos. O mercado sertanejo, muitas vezes preso a fórmulas de sucesso, teme arriscar em perfis que fogem do modelo tradicional. Para muitos artistas e produtores, adotar novos talentos, especialmente negros, significa sair de uma zona de conforto e enfrentar resistências. Porém, pequenos passos já estão sendo dados: artistas que misturam o sertanejo com o samba, o pagode e até o funk começam a ampliar as fronteiras do gênero, ainda que enfrentem uma luta desigual.
O papel do público é fundamental nesse processo. São os ouvintes que moldam o mercado e podem pressionar por mais diversidade. Questionar padrões, demandar representatividade e abraçar novos talentos são atitudes que forçam a indústria a reagir. Além disso, festivais e plataformas de mídia precisam promover artistas negros, garantindo que eles tenham espaço para se destacar e conquistar o reconhecimento que merecem.
A inclusão de artistas negros no sertanejo não é apenas uma questão de justiça social, mas uma oportunidade de revitalizar e expandir o gênero. Ao abraçar sua diversidade, o sertanejo pode se tornar mais representativo de sua essência – o coração do Brasil. É preciso que a indústria, o público e os próprios artistas estejam dispostos a romper barreiras e a reconstruir narrativas, permitindo que o sertanejo seja um reflexo verdadeiro da complexidade e riqueza da cultura brasileira. Somente assim, ele poderá cumprir seu papel de ser não apenas um gênero musical, mas um espelho da identidade do país.
Traga fatos, Marília Ms.
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