Letterboxd: A Nova Cinefilia Entre o Hype e a Elitização do Gosto

 


O Letterboxd, popularmente conhecido como o "app dos jovens cinéfilos", se tornou muito mais do que uma simples plataforma para registrar filmes assistidos. Ele representa uma nova dinâmica no consumo de conteúdo audiovisual e na forma como o público, especialmente os jovens, interage com o cinema. Criado para ser um espaço de troca de opiniões e recomendações, o Letterboxd hoje reflete tendências, debates e até polêmicas sobre o que significa ser um cinéfilo na era digital. Mas, como toda rede social, ele também tem seus pontos de tensão.

Por um lado, o app é uma revolução para amantes do cinema. Ele dá aos usuários a oportunidade de criar diários cinematográficos, avaliar filmes com estrelas e escrever críticas que vão desde reflexões profundas até piadas rápidas e sarcásticas. Essa liberdade criativa é um respiro num mundo onde opiniões sobre cinema costumavam ser monopolizadas por críticos profissionais. Jovens cinéfilos agora podem compartilhar suas percepções e encontrar pessoas com gostos semelhantes, formando uma comunidade vibrante e diversa.


Entretanto, a popularização do Letterboxd também trouxe à tona questões que merecem um olhar crítico. A busca por curtidas e engajamento na plataforma muitas vezes transforma a apreciação cinematográfica em uma competição de popularidade. Críticas curtas e engraçadas, que viralizam facilmente, acabam recebendo mais atenção do que análises mais elaboradas. Isso não seria um problema por si só, mas reflete um comportamento típico das redes sociais: a superficialidade vence a profundidade.


Outro ponto de reflexão é como o Letterboxd reflete a bolha cultural que domina o consumo de mídia atualmente. A curadoria pessoal e o algoritmo acabam promovendo sempre os mesmos filmes: produções cult, blockbusters populares ou obras que se tornaram memes. Por mais que a plataforma incentive a descoberta, é fácil perceber uma homogeneização dos debates. Filmes independentes de países fora do eixo Europa-Hollywood raramente têm o mesmo espaço. Assim, o app, que poderia ser uma ponte para a diversidade cinematográfica, às vezes reforça os limites do mainstream alternativo.


Além disso, há a questão da "elitização" do gosto. Para muitos, o Letterboxd se tornou um espaço de validação intelectual. Assistir a obras complexas ou aclamadas por críticos renomados passou a ser um passaporte para um certo status dentro da comunidade. Isso cria uma barreira invisível para aqueles que talvez não tenham um repertório cinematográfico extenso ou que apreciam filmes considerados "comerciais demais". É como se a ideia de ser cinéfilo estivesse atrelada a um ideal de superioridade cultural, algo que vai na contramão do espírito democrático que a arte deveria promover.


Por outro lado, é inegável que o Letterboxd deu nova vida a filmes antigos e a cineastas que estavam fora do radar das novas gerações. Obras de diretores como David Lynch, Agnès Varda e Wong Kar-wai ganharam um público jovem que, sem a plataforma, talvez nunca tivesse acesso ou curiosidade para explorá-los. Além disso, a possibilidade de discutir e debater filmes em tempo real acaba gerando uma dinâmica de aprendizado coletivo, onde os usuários podem construir seu próprio vocabulário crítico e se desafiar a pensar sobre o cinema de maneiras diferentes. A troca de ideias é estimulada, e, em certo grau, a plataforma tem sido uma ferramenta de democratização do conhecimento cinematográfico, permitindo que vozes antes marginalizadas encontrem um espaço de expressão.


Entretanto, não podemos ignorar que, por trás dessa dinâmica, há também uma crescente tendência ao "hype". A constante busca por popularidade no app às vezes transforma a experiência de assistir a um filme em algo mais performático do que genuíno. O desejo de ser visto como um cinéfilo "de verdade" leva muitos a adotarem um discurso elitista, ou até mesmo a consumir filmes apenas para cumprir uma espécie de checklist cultural. O gosto autêntico, aquele que surge da descoberta pessoal e da subjetividade, fica em segundo plano, substituído pela necessidade de se encaixar no que está em alta na comunidade.


Outro ponto relevante sobre o Letterboxd é sua capacidade de criar uma certa pressão para o "apreço de filmes difíceis". Filmes de diretores como Lars von Trier, Terrence Malick ou Andrei Tarkovsky são exaltados não apenas por suas qualidades artísticas, mas também por seu status de "desafio" intelectual. Embora essas obras sejam, de fato, extraordinárias, o exagero em torno delas no app pode criar uma pressão desnecessária sobre quem ainda está começando a explorar o universo cinematográfico. O prazer do cinema se perde quando ele é encarado apenas como um meio de "demonstrar conhecimento" em vez de uma forma de expressão emocional e cultural.


Ademais, a utilização do Letterboxd tem potencial para tornar o cinema mais segmentado e elitizado. Muitos usuários, ao registrar sua opinião sobre filmes, se esquecem de que a crítica é também uma questão de subjetividade, e o que é valorizado por um determinado grupo nem sempre é uma verdade universal. Há um certo culto à perfeição crítica, onde filmes mais simples ou de grande apelo popular são frequentemente desvalorizados, criando uma hierarquia entre o "bom gosto" e o "gosto de massa". Isso acaba perpetuando uma ideia de cinema como algo que precisa ser dissecado intelectualmente e não simplesmente apreciado ou vivido.


Por fim, o Letterboxd representa uma fusão entre a paixão pelo cinema e a necessidade de se destacar no meio digital. É um reflexo de um tempo em que as opiniões precisam ser publicadas, quantificadas e avaliadas. E, embora tenha suas qualidades, como a construção de uma comunidade engajada e a possibilidade de descobrir novos filmes, é necessário que seus usuários reflitam sobre as verdadeiras intenções por trás do uso da plataforma. O cinema, em sua essência, não é apenas sobre exibir conhecimento, mas sim sobre experienciar e entender o mundo a partir da arte visual. O desafio, então, é usar o Letterboxd para enriquecer essa experiência, sem cair na armadilha do status e da competição, e sim permitindo que o gosto pessoal se expresse de maneira genuína.


Trago fatos, Marília Ms.

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