A Nostalgia do Controle: O Retorno ao “Homem Provedor” e os Riscos Ocultos




E se essa ideia de um "homem com energia masculina" fosse, na verdade, a encarnação de comportamentos que gerações de mulheres lutaram arduamente para romper? Começa com pequenos gestos: você cede ao papel de cuidadora, deixa de escolher seu próprio caminho profissional e, sem perceber, suas escolhas começam a ser controladas desde o que vestir até o que dizer. 
Não é exatamente esse tipo de submissão que tantas mulheres tentaram evitar?

O discurso da “energia masculina” pode parecer atrativo, especialmente para mulheres sobrecarregadas pelas exigências da vida moderna. Mas será mesmo um resgate natural ou apenas um retrocesso disfarçado? Essa masculinidade, exaltada por alguns, se originou em um contexto histórico marcado pela consolidação da propriedade privada e da estrutura familiar patriarcal. Em sociedades mais antigas, os papéis de gênero eram menos rígidos, mas com o surgimento da necessidade de heranças e a perpetuação de linhagens, o homem foi colocado no topo da hierarquia familiar, enquanto as mulheres foram confinadas a papéis subalternos e subordinados. A masculinidade passou a ser associada a atributos de força e controle, enquanto as mulheres foram relegadas a papéis de submissão e dependência.

Muitas mulheres, especialmente as de gerações passadas, nunca tiveram escolha: suas opções de trabalho e estudo eram limitadas, e aquelas que conseguiam trabalhar enfrentavam condições desfavoráveis e salários muito abaixo dos homens. Para as mulheres negras e de outras minorias, a realidade era ainda mais dura, pois o trabalho era muitas vezes forçado e mal remunerado. Até as décadas de 1960 e 1970, o mercado formal de trabalho no Brasil era amplamente fechado para as mulheres; apenas 18% delas trabalhavam fora, e a taxa de analfabetismo feminino chegava a 36%. Esse contexto consolidou a figura do homem como chefe de família, exercendo autoridade financeira e, muitas vezes, controle absoluto sobre as mulheres.

Atualmente, em meio ao avanço de movimentos conservadores e ao cansaço das mulheres modernas, a internet está inundada de conteúdos que glorificam o “homem tradicional”, protetor e provedor. Esses discursos parecem reconhecer a exaustão das mulheres modernas e a falta de apoio nas relações, mas os utilizam para promover uma suposta solução: a volta aos papéis de gênero tradicionais. Sob a promessa de estabilidade, esse ideal parece oferecer um alívio para as mulheres, sugerindo que o retorno ao “homem protetor” resolveria seus problemas, trazendo equilíbrio para a vida familiar e emocional. Contudo, o que esses discursos não deixam claro é que esse “equilíbrio” tem um custo: a perda de autonomia feminina.

Até 1977, no Brasil, o divórcio era uma opção limitada, e muitos homens justificavam atos de violência contra as esposas em nome da “defesa da honra”, muitas vezes recebendo absolvições. Esse modelo de masculinidade implicava controle não apenas sobre as finanças, mas sobre o tempo, os direitos reprodutivos e até a vida das mulheres. Reviver o "homem à moda antiga" significa, naverdade, reviver o “homem à moda antiga” significa, na prática, reintroduzir um sistema de poder e controle que aprisiona as mulheres, anulando sua individualidade e autodeterminação. A nostalgia por esse "homem protetor" é, na verdade, um anseio disfarçado por um retorno a um modelo de subjugação, onde o conforto e a segurança são obtidos às custas da liberdade feminina. Essa promessa de equilíbrio e estabilidade é ilusória, pois o que se busca não é o bem-estar genuíno das mulheres, mas o restabelecimento de uma ordem onde o poder é centralizado nas mãos dos homens.

Essa romantização da masculinidade tradicional ignora deliberadamente o peso histórico que esse modelo carrega. Ele desconsidera as inúmeras conquistas alcançadas com a luta feminista: o direito ao trabalho, ao estudo, à autonomia sobre o próprio corpo e a liberdade de escolher ou rejeitar um modelo de vida imposto. Ao idealizar a submissão como caminho para a harmonia, esses discursos obscurecem o fato de que essa "harmonia" é construída sobre o sacrifício do desejo feminino de se autorrealizar.

Para muitas mulheres, esse retorno à “proteção” masculina é, na verdade, uma armadilha. Disfarçada de cuidado e segurança, essa narrativa sustenta um sistema onde a mulher não tem direito a voz própria, onde a opinião e o desejo feminino são constantemente validados ou reprimidos pela autoridade masculina. E, ao contrário do que essas promessas sugerem, a dependência emocional e financeira não traz felicidade ou paz, mas sim o aprisionamento a um papel no qual a mulher deve sacrificar a sua identidade.

Esse cenário só pode ser combatido com uma análise crítica dos conteúdos que tentam, dissimuladamente, ressuscitar um passado de controle e subjugação. É preciso entender que o avanço conquistado até agora não pode ser simplesmente descartado em nome de uma “vida equilibrada” que, em última instância, serve apenas para restaurar as dinâmicas de poder do patriarcado.

Portanto, ao olharmos para o ideal do “homem provedor” como solução, é crucial refletir sobre os riscos de uma volta a esse passado. O que está em jogo não é apenas o direito de trabalhar ou estudar, mas a própria liberdade de ser quem se é, de escolher e de caminhar de acordo com o próprio ritmo e desejo. Mais do que nunca, a sociedade precisa rejeitar a tentação de romantizar modelos ultrapassados e olhar para frente, buscando construir uma masculinidade mais igualitária e aberta. Essa é a verdadeira "energia masculina" que vale a pena ser buscada uma energia que compreende e respeita a liberdade e a autonomia femininas, em vez de perpetuar uma estrutura que tantas mulheres batalharam para superar.
Trago fatos , Marília Ms.

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